Tula Pilar é enterrada no Cemitério da Saudade: “O legado dela fica e vamos festejar sempre”

Por Allan dos Reis, no Parque Pinheiros

Centenas de amigos e familiares de Tula Pilar foram se despedir da poetisa, morta nesta quinta-feira (11), aos 49 anos, vítima de uma parada cardíaca. O enterro aconteceu no Cemitério da Saudade. Ela deixa três filhos: Samanta, Pedro Lucas e Dandara, além de um legado literário, de quem transformou dores e lutas em poesias.

Caixão com corpo de Tula Pilar é carregado por amigos e familiares no Cemitério da Saudade.

Tula nasceu em Minas Gerais e veio para São Paulo aos 19 anos, onde trabalhou durante anos como empregada doméstica. Negra, ela sempre revelou que sofreu “muito preconceito racial” e foi através da literatura que se transformou, como no livro “Sensualidade de Fino Trato”. Ela também trabalhou como vendedora da revista “Ocas” em São Paulo.

Companheiro da mãe nos saraus desde cedo, Pedro Lucas fala a respeito de Tula e promete realizar um sonho que ela não teve tempo de fazer, gravar um disco.

“Era uma pessoa mágica, fantástica. Uma mulher elétrica. A gente passava muito perrengue e ela emanava uma grande energia. Quando ela estava mal, eu acabava também ficando mal e ela percebia, e então se alegrava para me ver bem. Ela criou seus três filhos assim. Vamos celebrar tudo que ela construiu, que ela deixou e fazer as pessoas lembrarem”, diz Lucas.

Ele completa. “Fico pensando agora como manter o legado poético dela. O sonho dela era gravar um disco. As nossas referências musicais são diferentes, mas eu preciso fazer esse trabalho. Mesmo que eu não seja o cantor, terá as composições dela”, diz emocionado.

Tula Pilar e seu livro Sensualidade de Fino Trato. (Foto: Reprodução)

Tula começou a ganhar gosto pela poesia no início dos anos 2000 e o poeta Marcos Pezão tem grande influencia neste legado.

“Ela chegou em 2001 no Sarau da Cooperifa no Garajão [em Taboão da Serra]. Na época, eu fazia o papel de anfitrião no sarau e convidei Tula para que desse voz a um poema. Eu a vi começar, fazer os primeiros versos. A poesia pode não ter dado dinheiro para Pilar, mas a poesia deu uma riqueza de vida à essa mulher. A poesia transformou a Pilar numa grande mulher, numa grande mãe. Não precisa ser da Academia Brasileira de Letras, vale a caminhada”, diz Pezão.

O escritor Marcelino Freire falou de sua amizade com a poetisa e o legado que ela deixa. “Conheço Pilar e Pedro Lucas há 15 anos. Pilar era poesia pura. Era poesia na militância, poesia na afirmação do verso, da palavra, era poesia na política. Era poesia da rua, poesia da vida, da existência. Criar os filhos, salvar os filhos, abraçar os filhos com poesias. Todos aqui [no cemitério] reunidos pela poesia e pela literatura. Parece que morreu fazendo tudo que gostaria de fazer. O legado dela fica e vamos festejar sempre. É um legado vivo”, diz.

Professora da Faculdade Zumbi dos Palmares, Najara Costa vê em Tula Pilar motivos de inspiração. “Tula, enquanto mulher negra, tem uma história de muita resistência. Saiu de Minas Gerais e desde a infância se dedicava ao subemprego e tem uma trajetória quanto empregada doméstica. É uma pessoa que e passou e até passava por muitas dificuldades financeiras. É uma inspiração para nós que trabalhamos com cultura, sobretudo, por conta dela trabalhar a literatura com a obra de Carolina de Jesus, que também tem uma trajetória muito relevante para a periferia em si. É um se de luz por inspirar outras pessoas”, diz.

Ao som dos berimbaus, Tula Pilar é enterrada em Taboão da Serra.

Em meio ao choro dos presentes, Tula Pilar foi levada por um cortejo de amigos e familiares que – ao som dos berimbaus e pandeiros – se despediram da poetisa no final da tarde.

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