Depressão Infantil – O papel dos pais, professores e profissionais da saúde

Por Ionice Lourenço*

Foi durante o século 19 que a ciência despertou em definitivo para os distúrbios mentais, reconhecendo a depressão como doença e colocando um ponto final na retrógrada percepção da sociedade, pois antes disso, muitos viam a depressão como mito, superstição ou até, pasme, frescura, excesso de dengo, ou “coisa de quem desejava chamar a atenção”.

Começando a ser levada mais a sério e tratada como se deve, uma doença silenciosa e perigosa, a depressão foi revelando que pode ser sorrateira e traiçoeira, envolvendo a mente em uma embaraçada teia da qual o indivíduo dificilmente se livra sem ajuda, diagnóstico, tratamento e acompanhamento. 

Tomando de assalto a vida de muita gente mundo afora, a depressão traz intenso sofrimento pessoal, afeta comportamentos, sentimentos e emoções, com grande potencial para abalar até mesmo o convívio social, dado o fato de que a pessoa tende a isolar-se no próprio mundo, que passa a ser insuportavelmente pequeno.

Muito se fala da depressão como a doença do século que desafiará a humanidade. Mas gostaria de enfatizar um tema sobre o qual pouco se fala, se pesquisa e se estuda, a depressão infantil.

Quem se arrisca a conhecer a badalada Las Vegas, com seus cassinos que ficaram famosos no cinema, decerto ouvirá uma máxima local, que diz “o que acontece em Vegas, fica em Vegas”. Infelizmente, não podemos usar semelhante reflexão se o assunto for a saúde emocional da criança, pois no caso dela “o que acontece na infância, não fica na infância”.

O que acontece na infância deixa rastros psíquicos que acompanham o ser humano por toda a vida, sejam esses momentos bons ou ruins. Em suma, o que a criança viver, ouvir, experimentar e sentir haverá de formar a base, o pavimento da sua saúde emocional, de tal maneira que tanto os aprendizados positivos quanto os traumas farão parte da existência humana do adulto.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a depressão é uma das principais doenças que acometem a faixa etária entre 10 e 19 anos. Ainda de acordo com a OMS, isso pode refletir significativamente nas atividades da vida diária, pois produz sintomas, não raro, incapacitantes.

A constatação da depressão infantil é baseada e amparada nos critérios diagnósticos estipulados pelo DSM-5 (Diagnostic and Statistical Manual ou, traduzindo, Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais).

Logo, as fases diagnóstico, acompanhamento profissional e eventual tratamento são recursos relevantes, mas quero chamar sua atenção para os pais, educadores, professores e adultos que convivem com a criança diariamente, pois exercem papel de protagonismo na vida dela, fundamental para identificar alterações no comportamento infantil, com grande contribuição para que algo possa ser feito precocemente.

Afinal, a depressão infantil pode passar despercebida e trazer grande prejuízo ao desenvolvimento da criança, sobretudo no processo de maturação em relação a si, ao outro, ao mundo, tanto no contexto psicológico, quanto social.

Se a ignorarmos em sua fase mais incipiente, assumiremos o risco da permanência da doença ou da possibilidade de reincidência no futuro, com uma consequente vida adulta de angústia, que comprometerá todos os cenários dependentes da boa saúde emocional. Refiro-me aos aspectos pessoal, profissional, qualidade de vida, relacionamento amoroso, desenvolvimento intelectual e assim por diante.

Então, que fique claro (e peço que você, por favor, mostre esse texto a quem achar importante): depressão não é frescura. Ao contrário, depressão é uma doença mundialmente reconhecida. E, o mais importante, depressão tem tratamento.

A depressão não se explica somente pelas vivências pessoais da criança. Outros fatores também podem desencadear o comportamento depressivo. Por exemplo, bullying e sensação de não-pertencimento aos grupos familiar, de amigos ou estudantil.

Vamos entender, portanto, o que acontece na mente e no sistema hormonal da criança: a depressão pode ser classificada em hereditária ou endógena, como explica o psiquiatra Leonard F. Verea, que apresenta uma deficiência em três neurotransmissores:

  • *Serotonina, que regula o humor, o sono, o apetite;
  • *Dopamina, que controla o humor, o prazer;
  • *Noradrenalina, que mantém o corpo em alerta e influencia o humor.

*alguns exemplos

Sobre a noradrenalina, “sua escassez está associada a quadros de depressão profunda, e seu excesso, à mania, que é o oposto da depressão”. (biologianet.com/anatomia-fisiologia /noradrenalina).

Vejamos ainda dois tipos de depressão, a reativa e a secundária.

A depressão classificada como reativa é caracterizada quando ocorre algum fator externo, um evento que vem a afetar ou influenciar o comportamento da criança, como perdas, abandono, violência etc.

Já a depressão secundária, embora pareça pouco comum em crianças, também pode ocorrer, como no caso das doenças físicas. Por exemplo, um Acidente Vascular Cerebral, conhecido como AVC.

Durante o meu estágio de neuropsicologia, cheguei a atender uma criança de 8 anos que sofrera um AVC ainda bebê, aos 8 meses. Ou seja, embora incomum, pode acontecer e trazer consequências para a saúde emocional, sobretudo no quesito adaptação aos ambientes, sendo que essa criança há de sentir que é “diferente” dos demais (novamente o papel dos cuidadores é crucial para ajudá-la).

Como se pode ver nos exemplos, tanto a criança fisicamente saudável, quanto a criança que enfrentou alguma adversidade física estão sujeitas ao contato com a doença, o que nos conduz outra vez até a necessidade de estarmos em constante estado de alerta.

Outro dado da OMS que chama atenção e reforça a necessidade de atenção ininterrupta em relação aos pequenos é o percentual de diagnóstico da depressão em todo o mundo, que vem crescendo e aponta para uma temerária frequência na faixa etária de 6 a 12 anos: impressionantes 8% da população mundial de crianças.

A teoria de Piaget explica as várias fases da criança. Freud também descreve, na psicanálise, cada ciclo do desenvolvimento infantil. No entanto, não quero me demorar na explicação das teorias, e sim sobre uma informação específica, uma etapa que deve ser aprendida, crucial para ajudarmos as nossas crianças: reconhecer as manifestações dos sintomas, o que favorece o prognóstico e torna possível traçar uma rápida intervenção, no sentido de traçar a estratégia do tratamento.

Precisamos ponderar que o transtorno depressivo infantil é um grave problema e traz à luz um grande desafio por conta dos seguintes fatores:

  1. a descrença de que uma criança possa ter tal doença;
  2. o fato de que, diferentemente do adulto, a criança não costuma falar dos seus sentimentos;
  3. o fato de que a depressão infantil não se caracteriza apenas por uma tristeza profunda;
  4. o quadro de comorbidade (quando o sintoma pode ser mascarado por outro transtorno), que pode ser um grande dificultador.

Convido você a entender alguns sintomas da doença, para que possa se municiar e dedicar observacional atenção ao comportamento dos pequenos que tanto amamos.

  • redução da energia –a criança realizava várias atividades e subitamente, não quer mais brincar, interagir, “aprontar”;
  • irritabilidade, agitação – da noite para o dia, a criança passa a demonstrar impaciência, se irritando com qualquer um por qualquer motivo, até mesmo apresentando-se agressiva, fatores que não se explicam pela idade;
  • alterações no apetite – cabe ter atenção aos extremos: se a criança quase não comia e passa a comer o dobro ou, inversamente, se comia demais e agora se recusa a comer ou só aceita as “guloseimas”, os doces e salgadinhos;
  • humor instável – diferentemente da irritabilidade, nesse caso é o “oito ou oitenta”, ora a criança está afável e carinhosa, ora se torna agressiva e, quem sabe, num terceiro momento se mostra calada, apática;
  • choro excessivo ou tristeza profunda – não houve perdas, não há bullying, violência ou eventos lastimosos e, mesmo assim, a criança se mostra triste, desinteressada, de olhar vago, chorando sem aparente motivo.

É importante que os adultos aprendam a observar mudanças bruscas no comportamento. Entretanto, não é saudável confundir ações e papéis. Uma coisa é fazer essa “leitura prévia”, entender os sintomas e outra, bem diferente e equivocada, seria tentar diagnosticar e tratar a criança sem o auxílio necessário. O tratamento consiste em alguns processos como; psicoterapêutico (criança e família juntos em prol da primeira), psiquiátrico, medicamentoso, inserção de rotina e alimentação saudável. O tratamento será indicado de acordo com a avaliação individual de um profissional.

A partir do contexto diagnóstico, gostaria de fazer duas indicações. A primeira delas, Içami Tiba, que traz em seu artigo “pais ocupados e filhos distantes” uma reflexão sobre a necessidade de conciliar trabalho e dedicação familiar. A segunda, Augusto Cury, que retrata em seu livro “Ansiedade, o excesso de atividades”, o que acontece quando a criança investe muito tempo em jogos e telefone celular, bem como a relação disso com o sono inadequado, o excesso de mensagens, os conteúdos violentos de fácil acesso e a proximidade com o cyberbullying. Aliás, Cury ainda reforça a reflexão, avaliando o prazer imediato, a necessidade “do muito para sentir pouco”. O quanto conhecemos o mundo externo e pouco descobrimos de nós.

Feitas as indicações de aprofundamento e já finalizando minha reflexão, cabe destacar que nas escolas – e Cury também aponta para isso – há uma preocupação excessiva com as habilidades acadêmicas, mas pouco se trabalha as habilidades socioemocionais. Contribuindo com o grande autor, reputo que esse papel cabe a todos nós; pais, escolas, familiares e professores.

Em uma geração mais globalizada, que vive o imediatismo, que perdeu um pouco a vivência de brincar com algo que se constrói aos poucos com as mãos, de seguir instruções, do jogo de bola na rua em que se aprende a perder e a ganhar, e da noção do tempo (havia uma noção real do tempo de estudar, de assistir à televisão, de brincar, descobrir, construir). Com a modernização e o boom tecnológico, parece que tudo se resolve em fração de segundos e isso realmente pode acontecer com a tecnologia, mas a vida humana é maior do que um simples clique. Para ser entendida e bem-vivida, requer um elemento central; cuidar daqueles que hoje são os nossos pequenos e amanhã, formarão a base emocional da próxima geração, nossos netos e bisnetos.

Apresentei essas minhas humildes considerações com o intuito de classificar e entender um pouco mais do abismo que é a depressão, mas elas não visam, de forma alguma, ser um movimento saudosista contra o progresso. Contudo, não podemos transformar relações humanas em virtuais, ou morreremos aos poucos, psicologicamente, quiçá até literalmente.

Precisamos levar em consideração a volta de um bom livro impresso em mãos, dos brinquedos educativos, da seletividade nos programas televisivos, preferindo o que é agregador e dispensando o que é fútil.  Esta ação simples é um bom recomeço.

Adicione-se a isso uma maior e melhor qualidade do tempo que passamos com a criança, ensinando valores que se mostram não somente por falar, mas por agir, de modo que a prática deve confirmar as teorias que ensinamos, numa relação de congruência. Ou seja, foi-se para sempre o tempo do “faça o que eu mando, guarde o que você sabe”.

Não gosto muito das expressões “antigamente” ou “no meu tempo” porque o melhor tempo é hoje, agora. O mundo mudou, mas as normas, as regras e os valores precisam ser respeitados até mesmo para que a criança tenha noção do certo e do errado, do que pode ou não ser feito, para que ela cresça aprendendo a vivenciar frustrações, sucessos, fracassos e celebrações.

Abrindo uma exceção para o uso da expressão que mencionei, “antigamente” não divergíamos de nossos pais ou professores. O novo formato de educação prevê um convívio menos enérgico, marcado principalmente pelo diálogo, e não impede a criança de divergir, mas ela deve ser orientada a fazê-lo com absoluto respeito aos pais e professores, aos mais experientes que são os verdadeiros mestres, figuras que referenciam toda a existência do ser humano.

Numa perspectiva cíclica, todos ganham, a criança aprende ou reaprende a respeitar pais e professores que, por sua vez, sentindo-se respeitados e valorizados, se tornam mais atentos, prontos para darem o melhor de si no quesito “saúde da criança”, pois considere a pergunta: será que uma mãe que precisa passar o dia inteiro corrigindo o comportamento inadequado terá “tempo” para avaliar o possível assédio da depressão?

Usando uma linguagem análoga, a vida da criança é uma estrada de mão dupla, onde a informação vai e vem numa velocidade tão grande que pode até gerar ansiedade. Mas vale a reflexão, se todos tentarem produzir o seu melhor na qualidade do tempo desprendido na educação, no afeto, na observação, teremos um natural ganho na saúde emocional.

Por último, lembre-se: pais, professores e os que convivem mais frequentemente com a criança podem e devem fazer a observação comportamental. Já as questões prognóstico, diagnóstico e tratamento ficam a cargo de profissionais. Procure-os, em vez de tentar resolver tudo sozinho (a) porque a barra é pesada demais para segurar.

“Quem opta por se conhecer, decide da melhor maneira viver”

Ionice Lourenço é Palestrante, Psicóloga, Neuropsicóloga, Terapeuta Cognitivo Comportamental e Idealizadora do Espaço Terapêutico Viva Bem em Taboão da Serra.

*O artigo não reflete, obrigatoriamente, a opinião do Taboão em Foco.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.