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Espaço Aberto

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Najara Costa_Foto Allan dos ReisPor Najara Lima Costa

é Socióloga e Professora de Teatro do Liceu de Artes Municipal.

 Em 2009 foi diretora da 53ª Paixão de Cristo de Taboão da Serra

“Que tempos são esses, quando
falar sobre flores é quase um crime.
Pois significa silenciar sobre tanta injustiça?”
Bertold Brecht (1898-1956).

Debater cultura dentro da realidade social brasileira pode até soar como provocação tamanha a forma a qual assimilamos e percebemos as “prioridades” de Estado. O assunto torna-se ainda mais prolixo ao consideramos estatísticas que ainda retratam grandes disparidades nas suas formas de acesso.

Dados da última pesquisa realizada pelo IBGE[1] e informadas pelo Minc[2] em 2008 assinalam que 93% dos brasileiros nunca foram a uma exposição de arte ao mesmo tempo em que apenas 14% freqüentam salas de cinema. Em primeira instância tais elementos informativos além de proporcionarem reflexões acerca das hierarquias de origens sociais, também revelam que o espaço social, qual estamos inseridos, favorece na assimilação de inúmeros valores[3]. O desafio a partir deste contexto é justamente mudar paradigmas por tanto tempo estagnados e possibilitar novas condições e concepções estéticas.

Pensemos agora em nossa realidade local. As efetivações de projetos que atendam nossas demandas por vezes constituem-se com lutas que se deflagram em infinitos contra-sensos. À medida que a história avança suscitam-se interpretações sobre valores circunstanciais, enquanto que conseqüências estruturais e dinâmicas de ações políticas específicas fomentam ou eliminam oportunidades.

Sabemos que a inanição de recursos não é determinante para indivíduos que pensam a cultura como um alicerce que integra pessoas a sociedade. A própria constituição de ambientes e grupos de resistência em Taboão da Serra é perceptível desde espaços como CANDEARTE, TESOL, Mini Cine-Tupi, além de movimentos de expressão espontânea da linguagem como o Hip Hop Atitude e tantos outros. Manifestações culturais oriundas dos estigmatizados expõem que estes encontram na arte a expressão e o sentimento de pertencimento com seu espaço independente do auxílio do poder público, contudo, como o estado pode hoje pensar novas políticas sociais fomentadoras de manifestações culturais e que não estejam contaminadas pela obliqüidade do assistencialismo?

É compreensível que o personalismo ou pelo menos sua tentativa a partir da “politicagem” em cultura aflora discordâncias que facilmente minam propostas. Por outro lado a mudança no caráter da acessibilidade hoje no município é vista com muito estranhamento por alguns que consideram sua representação com maior influência. Como é aceitável que presentemente pessoas tenham o mesmo direito ao acesso a cultura, sejam elas amigas de quem forem? Como é possível a existência de um projeto intergeracional[4] e com sujeitos tão diferenciados racialmente e socialmente? A resposta para esta questão é bem simples: A nova política cultural que se instalou comunga do pensamento de que poucos podem se tornar grandes artistas, mas um grande artista pode vir de qualquer lugar. Para tanto, é necessário, acima de tudo, criar oportunidades.

A formação cultural longe de competir apenas aos membros das classes privilegiadas deve sim proporcionar aos menos abastados possibilidades de se familiarizarem com a arte. Esta proposta não sugere, no entanto, que conhecimentos adquiridos atuem como panacéia em meio a uma vivência por vezes tão perversa, mas algo necessário frente à perplexidade social que tanto nos brutaliza.

O Liceu de Artes Municipal de Taboão da Serra, atual sede da Divisão de Cultura, constitui-se hoje como o único espaço público da América Latina que possui aprendizado gratuito direcionado a qualquer indivíduo que almeje iniciação em qualquer área das artes o que faz com que este público também compreenda suas intersecções. Nesse ambiente encontramos pessoas das mais diversas faixas etárias, classes sociais e etnias, justamente por que seu conceito pauta-se no princípio da multiculturalidade e na adoção de políticas de neutralização dos efeitos discriminatórios.

No âmbito de debates de promoção e ampliação do acesso aos bens culturais é perceptível que este local é um instrumento de inclusão sócio-cultural que se fortalece dentro de uma linha de abertura, aproximação e agregação. A compreensão sociológica de um projeto como este também se constitui pela inovação no método. Sua interação espacial proporciona aprendizados que instituem interfaces entre áreas conduzindo escultores(as), grafiteiros(as), atores(as), músicos(as), bailarinos(as) e outros(as) artistas a um universo de linguagens diversificadas e enriquecedoras.

O método de ensino neste ambiente se estabelece pela sensibilização e entendimento do conceito da criação e liberdade artística. O aluno leva e transmite aprendizados em uma atmosfera que se opõe aos obscurantismos e essencialismos, já que diferenças sociais deixam de se tornar desigualdades facilitando a acessibilidade e inclusão de pessoas antes excluídas das políticas públicas de acesso à cultura na cidade.

A mudança no perfil das pessoas interessadas em cursos na área cultural em Taboão da Serra é um agregador que subverte uma antiga lógica. Somente uma base que se fortifica pelo viés do alcance coletivo permite com que homens, mulheres, crianças e idosos aprendam e desenvolvam momentaneamente e aos seus modos a cognição de conceitos em arte e cultura.

Se a arte é a capacidade humana de transmitir estados de espírito por meio de sensações, a sociabilidade e a convivência entre pessoas tão distintas também auxilia neste aprendizado. Resta dizer que esta formação não supõe etapas por não prever um término e que neste momento a “arte pela arte” não se faz conexa por não favorecer a inovação critica e transformadora.

Trabalhar democraticamente cultura implica antes de tudo entender o período, as condições locais e as necessidades em que se vive, pois o espaço não será adequado para seu desenvolvimento se não existirem primeiramente pessoas interessadas e preparadas para a nova linguagem. Frutos de um trabalho em formação voltados para a reflexão e para a criação de apreciadores das artes certamente não são colhidos com tanta rapidez, mas tornam-se imprescindíveis de serem plantados em nossos tempos ainda tão sombrios.


[1] Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

[2] Ministério da Cultura, 2008.

[3] Ver BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil, 2004.

[4] O projeto intergeracional propõe que pessoas de diferentes faixas etárias estejam em um mesmo espaço de formação.

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