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Morre aos 81 anos a multiculturalista Raquel Trindade

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Por Alexandre Oliveira, publicado no site Linhas Populares

Morreu na madrugada deste domingo, dia 15, a multiculturalista Raquel Trindade após complicações de uma cirurgia cardíaca. Raquel foi internada para a cirurgia no dia 4 (quarta-feira) e permaneceu em repouso em sua casa quando devido a uma febre alta teve que retornar ao hospital Incor na quinta-feira, dia 12. Seu corpo, já muito debilitado devido à idade (ela tinha 81 anos) e suas inúmeras lutas contra outras enfermidades, como as queimaduras que carregava desde sua juventude e o câncer vencido há pouco anos, não aguentou ao novo procedimento médico. Seu velório será realizado no Teatro Popular Solano Trindade (TPST), fundado por Raquel e sua família em 1975, no centro de Embu das Artes.

Raquel Trindade morre aos 81 anos.
Raquel Trindade morre aos 81 anos.

UMA VIDA DE LUTA

Raquel Trindade é um expoente na luta contra o racismo e na difusão da arte e cultura negra no país. Escritora e artista plástica, ela foi o ícone de resistência, marcada pela vida e por inúmeras frentes em que atuou. Foi professora universitária, ensinou o maracatu e o candomblé, condecorada pelo ex-presidente Lula com a Comenda de Mérito Cultural da República, em 2012. Atuou para revitalização do Teatro Popular Solano Trindade, em 2013, escreveu e publicou o livro Embu – Aldeia de M`Boy, em 2004 e o reeditou em 2011. Carregou Embu pelo mundo. Marcou páginas em livros sobre sua história e de seus amigos, artistas embuenses.

Em 2010 disse a este jornalista, em fase de conclusão de curso na faculdade, estar plena de felicidade e realizações. “Eu sempre falo para os meus filhos e meus netos que seria covardia até eu ter dinheiro. Porque eu tenho tudo. Tenho uma família maravilhosa, tenho amigos maravilhosos, tenho uma arte que me faz muito feliz, tive pai e mãe fora do comum, avós fora do comum. Quer dizer que eu sou muito feliz”, disse Raquel antes de iniciar a declamação de um poema de seu pai, Solano, dedicado a ela e publicado na reedição do livro “Embu – De aldeia de M`Boy a terra das Artes” (Editora Noovha América).

Raquel é condecorada pelo ex-presidente Lula com a Comenda de Mérito Cultural da República, em 2012.
Raquel é condecorada pelo ex-presidente Lula com a Comenda de Mérito Cultural da República, em 2012.

De 1987 a 1992, Raquel foi convidada pela Unicamp a ministrar aulas de Teatro Negro no Brasil e Sincretismo Religioso. Também lecionou na Universidade Federal de São Carlos, Anhembi Morumbi, Universidade de São Paulo (USP) e, por último, ministrou o curso de extensão em “Identidade Cultural Afro-brasileira” (ICAB) na Unifesp.

Em 2004 lançou o livro “Conto, canto e encanto com minha história… Embu – Aldeia de M`Boy” (Ed. Noovha América) reunindo história de Embu e seus artistas. Reeditou o livro em 2011, incluindo novos artistas e história da cidade.

Raquel também pintava e o candomblé era a sua maior inspiração. Criou o bloco carnavalesco Kambinda, na mesma data que lançou seu livro, em 2004, e todos os anos saia em cortejo nas ruas do centro histórico de Embu das Artes carregando multidões.

DE RECIFE PARA O MUNDO

Raquel Trindade nasceu em Recife (PE) em 10 de agosto de 1936. Filha do poeta e artista plástico, Solano Trindade e da terapeuta ocupacional Margarida Trindade, criou-se no Rio de Janeiro e chegou à Embu das Artes em 1961.

Raquel era pintora primitivista, e tinha no Candomblé e na personificação do “negro” sua fonte de inspiração para sua arte. Seu grande incentivador na carreira artística foi o crítico de arte Mário Schenberg. Expôs no Brasil e no exterior. Era autodidata na pintura e no desenho. Sua obra integra importantes acervos de museus no país.

No campo da educação, Raquel lecionou sobre sincretismo religioso afro-brasileiro e teatro negro.

Fachada do teatro Solano Trindade, em Embu das Artes.
Fachada do teatro Solano Trindade, em Embu das Artes.

Fundou o Teatro Popular Solano Trindade e o grupo de dança e artes, “Urucungos, Puítas e Quijengues” em Campinas (SP).

Também foi responsável pela criação de enredos, figurinos e carros alegóricos para diversas escolas de samba, como Vai-Vai, Mocidade Alegre, Quilombo dos Candeias (no Rio), Pérola Negra, entre outros.

Em novembro de 2013 concedeu uma entrevista ao jornalista Adilson Oliveira, onde falou sobre a Consciência Negra e sua luta contra o racismo, dando exemplo de um episódio que sofreu quando atuava na Secretaria de Turismo do município. “A gente revê toda a história do negro não só no Brasil, mas desde a África, a luta nossa, das entidades negras, a luta do negro para sobreviver num país onde a discriminação é muito grande […] O negro em geral sofre tudo que é preconceito. São muitas histórias, mas uma discriminação [entre as mais sérias] que sofri foi aqui no Embu mesmo, na época em que Geraldo Cruz me convidou para trabalhar – junto com o Assis, o [artista plástico] Gileno Bahia – no Turismo, que tinha como secretário o Jean Gillon [morto em 2007, aos 87 anos]. Geraldo tinha me pedido para reunir o pessoal e fazer um Carnaval bonito, e ele [secretário] virou para mim e disse: ‘Vou botar uma mesinha na rua para você atender essa gentinha lá fora’. Eu falei: “Você é louco, isso é apartheid, não vou fazer isso!” – Disse, contrariada.

Antes de sua morte, Raquel disse a familiares que a visitara no hospital que gostaria de estar forte nesse momento, para “lutar” contra a prisão do ex-presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, a quem detinha grande apreço.

Raquel deixa três filhos: Vitor Trindade, compositor e músico, Regina Célica, artista plástica, e a escritora e dançarina Dada. E sete netos, dentre os quais o Rapper Zinho Trindade, a musicista Maria Trindade e o percussionista, Manuel Trindade.

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