Artigo: O medo e a saúde emocional

Por Ionice A. Lourenço*

Dentre as tantas emoções que vivenciamos em cada arquétipo da vida, algumas são primitivas. Uma delas, tema de análise que separei para esse texto, é a que mais chama atenção da vida contemporânea, o medo.

O medo é uma emoção presente em nossas células, impregnada em nosso DNA para garantir a vida, por meio do instinto natural – e primitivo – de sobrevivência.

De início, vamos entender algo crucial. Emoções primitivas como o medo carregam em si duas possibilidades que serão adotadas de acordo com o nível de autoconhecimento que cada ser carrega:

  1. Em intensidade natural, o medo é precioso para proteger a vida, a integridade, a segurança e todo formato de conservadorismo comportamental que nos mantenha a salvo dos riscos. Por exemplo, a transição de carreira. A emoção primitiva do medo em intensidade natural tende a sugerir que fiquemos onde estamos, mas não nos impede de arriscar;
  2. Em intensidade descontrolada, o medo é nocivo para o avanço evolutivo nos campos pessoal e profissional, pois tende a paralisar. No mesmo exemplo, o excesso desta emoção primitiva vai travar tudo, como se a mente nos proibisse de dar um passo rumo aos sonhos e até mesmo, aos resultados racionais.

O medo é importante porque representa e identifica cada ameaça que surge pelo caminho, mas vale saber que na dúvida, essa emoção primitiva é generalista, razão pela qual sentimos o medo presente até mesmo em ações simples, como escolher um caminho novo para um destino que já conhecemos. Não demora muito e surgem as perguntas.

E se tiver muito trânsito no outro caminho?

E se for mais longe?

E se for mais perigoso?

E se a estrada for esburacada?

E se o sinal do celular for ruim no outro caminho?

Por trás dos questionamentos, há um motivo simples de ser entendido:

mais trânsito  = maior estresse;

mais longe = maior tempo de destino;

mais perigoso = desperta o ápice do instinto de sobrevivência;

esburacada = menor conforto e segurança;

sem sinal = incomunicável com o mundo.

Os três exemplos também explicam porque uma pessoa trabalha no mesmo endereço há dez anos e jamais mudou de caminho, ainda que existam quatro ou cinco opções. Mas, para manter a sensação primitiva bem escondidinha, é comum que a resposta seja outra, caso alguém pergunte por que nunca experimentou outra rota.

– Eu já me acostumei com este caminho.

Isso a pessoa diz de maneira consciente. Se a sua sensação inconsciente e mais primitiva respondesse por ela, a resposta seria bem diferente.

– Eu tenho um medo danado de mudar o caminho.

Muitas vezes, o medo cumpre o seu papel funcional e estratégico, de fazer a pessoa adotar as decisões mais adequadas. Sendo assim, quando o medo passa a ser prejudicial?

Ora, uma emoção primitiva nunca trabalha sozinha. A mente é uma máquina perfeita e as sinapses permitem conexão entre as emoções diversas. Por isso, o medo passa a ser prejudicial quando causa qualquer sentimento ruim ou desperta mais primitivismo, atraindo algo que impeça de fazer alguma coisa importante e necessária que, ao deixar de ser feita, causa sofrimento psicológico. Um exemplo claro é a formação acadêmica.

Se o medo intenso imperar, o aluno ficará em dúvida sobre qual carreira escolher e por consequência, a emoção primitiva do medo alcançará outra emoção primitiva, a tristeza, que pode avançar até a depressão, a síndrome do pânico e assim por diante.

Vamos a outros três exemplos. A mulher que deseja ser mãe, porém tem medo do parto. O executivo com a carreira em ascensão, que tem medo de falar em público, e o consultor que adoraria alçar novos voos na carreira, mas para isso, precisaria superar o medo de avião a fim de atender clientes em outros países.

Ocorre que o medo é uma pedra bruta. Em todos os casos, os três exemplificados podem trabalhar e lapidar essa emoção primitiva.

O que antecede o medo é a ansiedade. Se permitirmos que a sensação primitiva avance, o medo pode se tornar pavor. E, se o medo se transformar em algo patológico (que revela uma doença), passa então a ser uma fobia e desta vez, estará presente o sofrimento psicológico.

“A sociedade encheu de tabus a compreensão emocional.

Repare que todo mundo corre para o dentista ao sentir

dor de dente. Por outro lado, ninguém corre para buscar

ajuda quando se vê psicologicamente em sofrimento”

Quem disse, por decreto, que a mãe não daria conta de trabalhar o medo do parto? Quem poderia afirmar que o executivo não consegue subir ao palco? Quem poderia dar como caso perdido o medo de avião, que impede o consultor de crescer?

Todo ser humano pode, deve e merece resolver o que traz dor, buscar ajuda e procurar na terapia a lacuna deixada pelo primitivismo das emoções não trabalhadas.

Houve um tempo (isso ainda acontece) que a pessoa não buscava ajuda por temer – olha o medo aí de novo – o que os outros diriam ou pensariam.

Aos poucos, esse tempo vai ficando para trás e cada vez mais, a sociedade vai se abrindo, percebendo que zelar pela saúde emocional é tão importante quanto os cuidados que destina à saúde física.

Tudo que nos trás sofrimento em nossa vida pessoal e social merece nossa atenção, por isso, eis uma receita saudável que posso aviar com segurança:Entender as emoções básicas e primitivas, saber como adotar comportamentos mais saudáveis e, principalmente, aceitar as mãos estendidas para o resgate da paralisia emocional que impede a felicidade,é algo primordial em nossas vidas.

“Quem opta por se conhecer, decide da melhor maneira viver”
Ionice A. Lourenço
Escritora – Palestrante – Psicóloga – Neuropsicóloga
Contato: ionicelourenco@yahoo.com.br / www.ionicelourenco.com

*O artigo não reflete, obrigatoriamente, a opinião do Taboão em Foco.