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Taboão da Serra, uma cidade laica?

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Por Wanderley Bressan*

O ex-professor da Universidade de Oxford, na Inglaterra, em seu livro “Deus – um delírio” aborda de forma pra lá de assertiva a condição de extrema proteção que as religiões usufruem em nossa sociedade. O estudioso chega a citar uma situação no ano de 2006 quando o jornal dinamarquês Jyllands – Posten publicou doze caricaturas do profeta Maomé. Três meses após a publicação um dossiê elaborado por um grupo de islâmicos, que moravam na Dinamarca, começou a circular por toda a Europa mobilizando boa parte da comunidade mulçumana. Em pouco tempo a informação alcança o Oriente Médio e um grupo religioso do Paquistão chega a oferecer 1 milhão de dólares pela cabeça do cartunista Dinamarquês.

Confesso que já me peguei refletindo sobre esta questão várias vezes, e nesta situação em especial, fico pensando se a mesma movimentação contra um jornal ou um cartunista se daria, se as caricaturas fossem de um político ou de um artista por exemplo. A meu ver, fica mais do que claro que criamos em nossa sociedade uma superproteção das religiões a ponto de colocá-las em posição superior de tudo e de todos. Ora, mantemos com convicção a ideia de que os princípios religiosos são “sagrados, santos”, ou algo assim. Isso na prática significa que “Essa é uma ideia ou uma noção que você não pode falar mal, simplesmente não pode. Por que não? Porque não e pronto!”. Se alguém vota em um partido político, ou torce para um time de futebol diferente do seu, você pode discutir o quanto quiser, qualquer pessoa pode apresentar argumentos, e ninguém sairá ofendido. Mas, se alguém disser “Não posso apertar o interruptor da luz no sábado”, você diz: “Eu respeito isso”.

Deste modo fica mais do que nítido, a extrema e excessiva proteção privilegiada que as religiões mantêm em nossa sociedade. Mas é possível viver com esta situação, depois de tanto tempo de protecionismo, afinal de contas as religiões cumprem um papel apenas filosófico e religioso em nossa sociedade. NÂO! O setor religioso, ao longo das últimas décadas, se articula para se intrometer em tudo e na vida de todos. Em especial, gostaria de citar a intervenção orquestrada que as religiões operam no setor político. Em Taboão da Serra, acabamos de eleger uma bancada religiosa recheada de 4 vereadores. Isto representa aproximadamente 1/3 do Poder Legislativo Municipal.

Câmara de Taboão da Serra terá quatro vereadores ligados as igrejas evangélicas na legislatura 2013-2016. No plenário, as bandeiras do Brasil, do Estado de São Paulo e a cruz como símbolo religioso.

Diante desta conjuntura é impossível não se questionar. Qual será a real contribuição destes mandatos “religiosos” para a cidade? A impressão que fica no ar é que as igrejas que os elegeram são vítimas de um governo e uma sociedade intolerante, e como resultado de uma articulação legítima e heroica, ocupam os poderes da cidade a fim de se proteger do preconceito religioso.

A grande realidade é que, na prática, a lógica se inverte e existe uma grande probabilidade da bancada religiosa operar com o intuito de potencializar o protecionismo acerca das entidades religiosas que os mantém politicamente, inferiorizar todos os outros espaços religiosos que, de uma forma ou de outra, os ameaçam filosoficamente e, ainda, meter o bedelho em assuntos que envolvem a sociedade como um todo, e que envolvem inclusive pessoas que fizeram a opção de não acreditar ou ter fé em nada.

Poderemos assistir em Taboão da Serra, a mesma intervenção desqualificada e encoberta de argumentos imaginários, lendários e folclóricos acerca de assuntos que estão na primeira ordem do Congresso Nacional como o direito reprodutivo, diminuição da maioridade penal e o direito homoafetivo. O Congresso Nacional, que faz coro ao Poder Legislativo de nossa cidade, possuindo um verdadeiro arsenal de parlamentares “Padres e Pastores”, cumprem um papel de inutilidade pública ao esbravejar suas visões conservadoras, machistas, racistas, sexistas e homofóbicas.

Por fim é sempre importante ressaltar que a Constituição Brasileira de 1988, diz em seu artigo 19, o seguinte: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.” Com base nesta disposição, o Estado brasileiro foi caracterizado como laico, palavra que, conforme o dicionário Aurélio, é sinônimo de leigo e antônimo de clérigo (sacerdote católico), pessoa que faz parte da própria estrutura da Igreja. Neste conceito, Estado leigo se difere de Estado religioso, no qual a religião faz parte da própria constituição do Estado.

Oremos e rezemos para que nossa cidade não se renda ao fundamentalismo religioso, e não se estagne ao conservadorismo que fez e faz diversas vítimas marginalizando pessoas e privando direitos aos mais diversos segmentos de nossa humanidade.

*Wanderley Bressan24, é formado em Relações Públicas pela UNISA, pós-graduando em Gestão Pública pela Fundação Escola de Sociologia e Política de SP e presidente da ONG DIVERSITAS, responsável pela Parada Gay em Taboão da Serra. Em 2012 foi candidato a vereador e teve 1.485 votos.

* Qualquer cidadão ou entidade pode publicar os seus textos, reclamações e fotos no Espaço Aberto. Participe!

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