Por Luana Pacheco Caetano*
Todo mundo já viu nas redes sociais o vídeo de uma senhora idosa, bailarina aposentada, diagnosticada com demência e na cadeira de rodas, relembrar a coreografia de “O Lago dos Cisnes” ao ouvir a música de mesmo nome. O alzheimer é um dos processos demenciais degenerativos que pode afetar uma pessoa, normalmente idosos, e dentro de tudo que vai “se apagar”, as memórias musicais serão as últimas afetadas. Mas, como?
Nosso cérebro é dividido em várias partes diferentes e cada uma delas tem suas funções especificas. Já vamos começar a explicação daqui: não tem uma região cerebral especifica que processa “música”. A informação musical ativa todas as regiões do cérebro e consequentemente todas as suas funções. O som, um evento físico (ondas sonoras) tem o seu lugarzinho: o Lobo Temporal, que fica na mesma região das nossas orelhas. Ele recebe o estimulo sonoro e o decodifica, o torna compreensível. Depois disso a informação se espalha; cada região vai pegar um pouquinho ou encontrar alguma utilidade pra ela, mas dependendo da finalidade que encontrarem pra essa informação sonora, todos os lobos cerebrais podem acabar se conectando à um único lugar pra dar continuidade ao seu trabalho: o sistema límbico, o grande responsável pela memória.
A incapacidade de memorizar é um dos primeiros sintomas do Alzheimer e das doenças demenciais. Com seu avanço, não só a capacidade de memorização é prejudica, mas memórias já consolidadas também começam a “desaparecer”. A memória musical, não. Progressivamente, o Alzheimer comprometerá outras funções cerebrais: planejamento e tomada de decisões, emoções, fala, comportamento, deixando o paciente confuso, irritado, ansioso, agitado, triste, com dificuldades motoras para comer, pentear o cabelo, tomar banho, calçar sapatos, mas a música fica lá, intocada, e quando esse paciente é exposto a música preferida da sua juventude, a música do seu casamento, tudo volta. As memórias até então perdidas, os nomes e datas esquecidos, os rostos que se apagaram, tudo volta. A vida dele volta.
Essa descoberta da manutenção da memória musical faz da musicoterapia um grande coringa para o tratamento e prevenção do Alzheimer. Manter o paciente musicalmente estimulado com canções da sua história ajuda a manter seus neurônios o mais ativos possível, prolongando a sobrevida de suas funções cerebrais. Com idosos saudáveis o estímulo musical ajuda a retardar o início de processos demenciais e também renova as motivações e alegrias de viver em família e em sociedade. Fevereiro é o mês de conscientização sobre Alzheimer e muito pode ser feito antes dele aparecer. Se você convive com um idoso, se sua família tem histórico de doenças demenciais, tire um tempinho pra ouvir música que são especiais, pensar e conversar sobre elas, o que elas significam. Mesmo que não substitua a atuação de um profissional esse é um exercício simples que todos nós podemos fazer todos os dias, garantindo um envelhecimento saudável e feliz.
Dica de leitura: “Alucinações Musicais”, do psiquiatra e pesquisador britânico Oliver Sacks. Nessa obra ele compartilha as histórias de diversos pacientes, incluindo alguns com diagnóstico de demência, onde a música foi o “problema” e a solução de suas questões e sofrimentos. Uma leitura fácil e muitas vezes emocionante, que nos ajuda a enxergar nossa relação com os sons sob outras óticas.
Referências Bibliográficas:
MARTINS, H.P.; TOLEDO QUADRO, L.C. A música como agente terapêutico no tratamento da doença de Alzheimer. Psicologia em pesquisa, vol.15, nº 1. Juíz de Fora – MG. Abril de 2021.
ANASTÁCIO JUNIOR, Mauro Pereira Amoroso. Musicoterapia e doença de Alzheimer: um estudo com cônjuges cuidadores. 2019. Dissertação (Mestrado em Gerontologia) – Escola de Artes, Ciências e Humanidades, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019. doi:10.11606/D.100.2019.tde-26062019-205908.
Luana Pacheco Caetano é musicoterapeuta na Clínica Figueiredo & Lima– APEMESP 1-190151 / Fale com a autora: lucaetano.mt@gmail.com
*O artigo não reflete, obrigatoriamente, a opinião do Taboão em Foco.